03/08/2016

Eu sei, mas não devia - Marina Colasanti


Oiii gente, tudo bem?
Resolvi trazer um texto incrível que sempre fico apaixonada quando o leio! Realmente consegue me emocionar e pensar nas situações que estão acontecendo a minha volta. É um texto para refletir e questionar. 

Quem sabe alguns de vocês já o conhecem, mas quem não teve essa honra, peço que leia.

Eu sei, mais não devia

Eu sei que a gente se acostuma. Mas não devia.
A gente se acostuma a morar em apartamentos de fundos e a não ter outra vista que não as janelas ao redor. E, porque não tem vista, logo se acostuma a não olhar para fora. E, porque não olha para fora, logo se acostuma a não abrir de todo as cortinas. E, porque não abre as cortinas, logo se acostuma a acender mais cedo a luz. E, à medida que se acostuma, esquece o sol, esquece o ar, esquece a amplidão.

A gente se acostuma a acordar de manhã sobressaltado porque está na hora. A tomar o café correndo porque está atrasado. A ler o jornal no ônibus porque não pode perder o tempo da viagem. A comer sanduíche porque não dá para almoçar. A sair do trabalho porque já é noite. A cochilar no ônibus porque está cansado. A deitar cedo e dormir pesado sem ter vivido o dia.
A gente se acostuma a abrir o jornal e a ler sobre a guerra. E, aceitando a guerra, aceita os mortos e que haja números para os mortos. E, aceitando os números, aceita não acreditar nas negociações de paz. E, não acreditando nas negociações de paz, aceita ler todo dia da guerra, dos números, da longa duração.

A gente se acostuma a esperar o dia inteiro e ouvir no telefone: hoje não posso ir. A sorrir para as pessoas sem receber um sorriso de volta. A ser ignorado quando precisava tanto ser visto. 
A gente se acostuma a pagar por tudo o que deseja e o de que necessita. E a lutar para ganhar o dinheiro com que pagar. E a ganhar menos do que precisa. E a fazer fila para pagar. E a pagar mais do que as coisas valem. E a saber que cada vez pagar mais. E a procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro, para ter com que pagar nas filas em que se cobra.

A gente se acostuma a andar na rua e ver cartazes. A abrir as revistas e ver anúncios. A ligar a televisão e assistir a comerciais. A ir ao cinema e engolir publicidade. A ser instigado, conduzido, desnorteado, lançado na infindável catarata dos produtos.
A gente se acostuma à poluição. Às salas fechadas de ar condicionado e cheiro de cigarro. À luz artificial de ligeiro tremor. Ao choque que os olhos levam na luz natural. Às bactérias da água potável. À contaminação da água do mar. À lenta morte dos rios. Se acostuma a não ouvir passarinho, a não ter galo de madrugada, a temer a hidrofobia dos cães, a não colher fruta no pé, a não ter sequer uma planta.

A gente se acostuma a coisas demais, para não sofrer. Em doses pequenas, tentando não perceber, vai afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá. Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço. Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo. Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana. E se no fim de semana não há muito o que fazer a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sempre sono atrasado.
A gente se acostuma para não se ralar na aspereza, para preservar a pele. Se acostuma para evitar feridas, sangramentos, para esquivar-se de faca e baioneta, para poupar o peito. A gente se acostuma para poupar a vida. Que aos poucos se gasta, e que, gasta de tanto acostumar, se perde de si mesma.
Marina Colasanti

Sobre a autora:
Marina Colasanti nasceu em Asmara, Etiópia, morou 11 anos na Itália e desde então vive no Brasil. Publicou vários livros de contos, crônicas, poemas e histórias infantis. Recebeu o Prêmio Jabuti com Eu sei mas não devia e também por Rota de Colisão. Dentre outros escreveu E por falar em Amor; Contos de Amor Rasgados; Aqui entre nós, Intimidade Pública, Eu Sozinha, Zooilógico, A Morada do Ser, A nova Mulher, Mulher daqui pra Frente e O leopardo é um animal delicado. Escreve, também, para revistas femininas e constantemente é convidada para cursos e palestras em todo o Brasil. É casada com o escritor e poeta Affonso Romano de Sant'Anna.


Espero que tenham lido e gostado do texto!
Até a próxima.

40 comentários:

  1. Que texto lindo, uma reflexão maravilhosa que a gente acaba tendo ao lê-lo. Muitas partes dele, parece algo que já aconteceu com a gente ou são experiências que estão acontecendo, chega quando li, fiquei puxa, foi feito para mim e tenho certeza que mais pessoas pensam o mesmo ao lê-lo. Gostei bastante de trazer ele, e agora poderei conhecer a autora e saber mais desses textos que ela escreve.
    Leitor Irônico

    ResponderExcluir
  2. Oi, que texto lindo e reflexivo, eu ainda não o conhecia, mas me identifiquei com ele, pois acabamos nos acostumamos com as coisas ao nosso redor, como se fossem coisas comuns, coisas corriqueiras, mas esse texto nos mostra que não. Adorei o texto e gostei de conhecer a autora.
    bjus

    ResponderExcluir
  3. Nossa esse texto toca né? Não tinha conhecimento dele, nem da autora e adorei conhecer.
    beijos,
    diariasleituras.blogspot.com

    ResponderExcluir
  4. Uau, esse texto é muito bom. Gosto de ler coisas do tipo, extremamente poéticas e que aperta a ferida. De qualquer forma, não conhecia sua autora, mas fico grato por ter conhecido-a! abraços e até mais.

    ResponderExcluir
  5. Oi, tudo bem?

    Acho que já li esse texto em outro momento, mas o reli aqui e, nossa, forte, né? No final, a gente se acostuma porque se convence de que a vida é assim mesmo... Estar na zona de conforto nos protege de um monete de coisas e tudo que a gente não quer é se machucar.
    O texto me passou muita melancolia e, provavelmente, foi a intenção da autora. Quem sabe assim - ficando triste -, a gente se desafie a encontrar novas formas se ser feliz e não se acostumar com a dor.
    Adorei a oportunidade de reler essa crônica! Conheço bem pouco da autora - só li uns textos avulsos dela pela internet afora - e quero conhecer mais :)

    Love, Nina.
    http://ninaeuma.blogspot.com/

    ResponderExcluir
  6. Estou sem falas em relação ao texto. Profundo e bonito. Nos acostumamos ao mais fácil, desistimos de lutar e contentamos em sermos frustados. Complicado e verdadeiro. Tragicômico

    ResponderExcluir
  7. Toda arrepiada com esse texto. Menina, que incrível a visão dessa escritora!!! Eu sempre penso sobre isso, que a gente vive condicionado a seguir uma rotina sem se dar conta que a vida tá passando, que há um mundo lá fora, que a tanto para se conhecer, para se aproveitar e estamos presos as regras, aos problemas, ao trabalho, etc... Parabéns pelo post. Bjs

    ResponderExcluir
  8. Oi, que texto lindo. Não conhecia, mas adorei. Muito reflexivo e profundo, de uma verdade maravilhosa, vivemos no automático, sempre preocupados, receosos. Acho que a maioria sobrevive ao invés de viver. Um texto para ler todos os dias.

    ResponderExcluir
  9. Morgana, que texto lindo.
    Eu só tinha lido livros infantis da autora e já tinha gostado.
    Seu post abriu meus horizontes sobre a autora.
    Vou procurar mais coisas sobre ela.

    ResponderExcluir
  10. Olá Morg, que texto incrível, adorei!

    Adoro textos reflexivos, eles nos fazem pensar sobre nossas atitudes, nossas vidas, o que queremos e o que estamos fazendo para atingir nossas expectativas.

    Abraços

    ResponderExcluir
  11. Que texto lindo! Marina Colasanti é, na minha opinião, uma das melhores autoras da atualidade. O texto traz uma belíssima reflexão sobre uma das maiores angústias da atualidade, que é forma como acabamos nos "acostumando" a coias que nos incomodam. Adorei o post!

    Tatiana

    ResponderExcluir
  12. É a primeira vez que leio algo da autora e fiquei encantada, que texto mais profundo! É até doído de ler, de tão verdadeiro. Amei! Obrigada por compartilhar conosco.
    Beijos!

    ResponderExcluir
  13. Olá.
    Adorei! Eu sempre tive curiosidade de ler algo dessa autora e a oportunidade ainda não apareceu.
    Bjs ;-)

    ResponderExcluir
  14. Sem dúvida sempre procuramos pelo mais fácil e acabamos nos acostumando com as coisas corriqueiras do mundo e nem percebemos a beleza de estar vivo. Um texto muito bonito que nos leva a refletir.
    Bjs!

    ResponderExcluir
  15. Olá.
    Sabe, eu refleti tanto em pensamento com esse texto que não tenho palavras pra expressão o quão anestesiada me sinto agora. Eu friso sempre, tanto a frase: Carpe Diem, Seize the Day que é aproveite o dia, mas muitas vezes eu mesma não o vivo, eu só existo. Agora, após ler este texto a vontade que tenho é de sair do trabalho correndo, só pelo fato de correr, porque eu adoro correr. Mas, eu nunca corro. Porque eu não gosto de correr sozinha, porque não tenho companhia, ou pelo simples fato de não ter tempo. Muitas coisas que faço ou deixo de fazer me entristecem. Mas, eu não faço nada para mudá-las...
    Gostei tanto do texto, que vou levá-lo para a minha próxima aula de psicologia e apresentar ele para a turma e podermos discutir sobre esse assunto.
    Abraço e obrigada por trazer este belo texto para a minha vida. Um bom acaso.

    ResponderExcluir
  16. Ual que texto maravilhoso morg, é algo que realmente nos faz parar para refletir e nos tira desse transe do dia-a-dia em que já fazemos as coisas roboticamente sem nem ao menos perceber como estamos acomodados a certas coisas.
    Salvei o texto aqui para poder ler sempre que eu quiser, pois com certeza quero ler outra vez e também mostrar para o máximo de pessoas.
    muito obrigada por trazer algo tão bom assim para o blog, beijos

    ResponderExcluir
  17. Oiee

    Lindo texto e muito verdadeiro! Traz uma reflexão enorme.
    Claro que salvei pra reler depois. Vale muito a pena!
    Adorei o post!

    bjs
    Fernanda
    http://pacoteliterario.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  18. Conheço o texto já tem tempo, é uma ótima reflexão pra vida toda! Uma lindeza de palavras tão bem construído que nos faz parar para pensar e para refletir sobre nós mesmos e sobre nossa vida em sociedade tb. Não conhecia a autora (tipo, de ver a foto e tal) e agora me sinto mais íntima do texto. Obrigada, Morgs, por compartilhar essa lembrança com a gente!

    ResponderExcluir
  19. Que texto lindo!! Nos proporciona refletir sobre o nosso dia a dia, sobre as situações corriqueiras (e será que deveriam sê-las?). Ainda não conhecia!

    Beijos!
    https://leelerblog.wordpress.com/

    ResponderExcluir
  20. Oiii
    Não conhecia o texto, mas achei incrível!
    Ele trata bem como é os dias de hoje, a nossa rotina, e é uma pena que seja assim, não devíamos nos acostumar as coisas.

    Beijos
    http://www.sacudindoaspalavras.com.br/

    ResponderExcluir
  21. Uau! Texto é de tirar o fôlego, curti ultra! Que intenso e reflexivo. Esse texto tem que ser lido diariamente, amei!

    ResponderExcluir
  22. Oie, tudo bem? Já vi esse texto no tumblr, é muito bonito mesmo. A autora escreve muito bem!

    ResponderExcluir
  23. Olá!
    Essa é a primeira vez que leio algo da Marina e estou apaixonada! Que texto lindo e real! Consegue fazer a gente refletir sobre a vida que estamos levando, as ações corriqueiras e em tudo que se perde com isso...
    Adorei a escrita da autora!
    Beijos!

    ResponderExcluir
  24. Olá!

    Que construção maravilhosa da Marina! Ainda não tive o prazer de ler algo dela, mas com certeza vou me apaixonar assim que começar a ler. Vou pesquisar outros títulos da autora e tentar decidir qual ler.

    ResponderExcluir
  25. Oláaaa!!!
    Eu simplesmente AMO os textos da Marina Colasanti, considero-a uma escritora sensacional. Já li vários dos livros dela, inclusive. :)
    E, como não poderia ser diferente, esse texto é lindíssimo, hein?
    Beijo.
    Ana Karina

    ResponderExcluir
  26. Oie tudo bem? Conheço esse texto do tumblr e gosto bastante da mensagem que ele traz. A autora escreve muito bem!

    ResponderExcluir
  27. Olá, tudo bem?
    Este texto me definiu bastante, simplesmente porque por conta do trabalho do meu pai, tive que me mudar muito e por ser tímida, sempre que me acostumava com o local tinha que mudar novamente.
    Gostei muito do seu post!
    Beijos, Larissa (laoliphant.com.br)

    ResponderExcluir
  28. Que lindo! Eu ainda não tinha lido esse texto, e realmente a gente se acostuma com algumas coisas com as quais não deveria se acostumar, ótima reflexão.

    ResponderExcluir
  29. Lindo demais este texto. Principalmente a primeira parte em que a gente se acostuma fechar as janelas de alguma forma. Eu evito sempre isto, deixo sempre o sol entrar porque é primordial para a minha felicidade. Acho que se acostumar com algo é inevitável, desde que se esteja feliz.

    Beijos,

    Greice Negrini

    Blogando Livros
    www.blogandolivros.com

    ResponderExcluir
  30. Oie
    Que texto simplesmente fantástico!
    Uma reflexão intensa e verdadeira...
    Parabéns a autora e obrigada por ter me apresentado Morgs

    beijos
    Mayara
    Livros & Tal

    ResponderExcluir
  31. Olá,
    Lindas palavras, desconhecia a autora e a escrita dela me emocionou bastante.
    Também me fez refletir sobre alguns pontos e acredito que o título lhe convém muito bem.

    http://leitoradescontrolada.blogspot.com.br/

    ResponderExcluir
  32. Oi Morgana.
    Que texto lindo! Eu desconhecia ele e a autora também. Gosto de ler texto desta maneira porque faz refletir vários pontos sobre a rotina que muita das vezes deixamos acomodar para não sofrer mudança ou medo do desconhecido. Adorei!

    Bjos

    ResponderExcluir
  33. Oi. Adorei o post e também o texto. Ainda não tinha lido ele e nem conhecia a autora. É lindo, emocionante e reflexivo. Amei! Vou procurar conhecer mais da autora e sobre seus textos.

    Beijos.

    ResponderExcluir
  34. Já conhecia o texto, mas nunca é demais lê-lo mais uma vez. Com certeza a gente se acostuma com muita coisa absurda, com que nunca deveríamos nos acostumar, e vamos deixando de viver plenamente. Temos que nos lembrar sempre de nunca deixarmos de lado os pequenos prazeres da vida, e de não aceitar que a vida ou morte de seres humanos se resuma a números.

    ResponderExcluir
  35. Oi, tudo bem?
    Nossa, que texto! Realmente a gente se acostuma a muita coisa, principalmente, como diz no texto, para não sofrer. Mas as vezes isso acaba nos fazendo sofrer, né? Não deveria ser assim, a gente não deveria ser acostuma com coisas assim. É um texto bem reflexivo.

    Beijos,
    www.leitorasempre.com

    ResponderExcluir
  36. Oi Morgs!
    Belo texto, eu não conhecia. Esses questionamentos estão sempre presentes em minha cabeça, mas quando leio um texto assim é sempre um tapa na cara, na verdade quando leio fico mais desanimada do que motivada a sacudir a vida rsrs.
    Beijo

    ResponderExcluir
  37. Olá tudo bem??
    Ainda não tinha lido nada dessa autora, mas adorei o texto!!!! Uma boa para refletir um pouco!!! Parabéns para a autora!!
    Beijus
    www.bibliotecaempoeirada.com.br

    ResponderExcluir
  38. Texto muito bonito, tocante e emocionante, eu gostei bastante, não conhecia até então, foi uma leitura mesmo que curtinha para este domingo, a Marina tem jeito com as palavras e o texto tem uma carga linda de sentimentos. Enfim, gostei da escolha de Eu sei mas não devia. :)

    ResponderExcluir
  39. Olá!
    Texto maravilhoso e me identifiquei, pois eu vou me acostumando a certas coisas e aos poucos vou me perdendo sem perceber rs' gostei muito e não conhecia. Gostei e me fez refletir sobre as coisas que quero desacostumar rs'

    Beijos!

    ResponderExcluir
  40. Esse texto é mesmo maravilhoso, assim como outros da Marina! Que coisa boa de se ler!

    ResponderExcluir

Nome do blog | TODOS OS DIREITOS RESERVADOS © 2016 | POR:
NOS VISITEVIRANDO AMOR